domingo, 26 de agosto de 2007

Chuva de água

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É assim um não-sei-bem, mas eu gosto, não-sei-porque. Se é de você, eu falo, eu vejo, eu sinto eu digo todo querer. Sem parar, mas sem pressa, sem nem perceber. Quando você chega eu percebo só depois de uns dois minutos, porque você só materializa o que, pra mim, já estava perto, sempre está. É assim, você nem sabe, mas me acompanha pra todo lugar. As pessoas percebem sua presença junto a mim, mas elas não sabem disso, ficam se perguntando de onde vem a energia extra que emana daquela garota empolgada que sou eu, na maioria das horas dos dias.

O vento quando fica molhado por causa da chuva parece história pra criança, cantiga de roda no quintal dos avós, é por isso que escrevo assim que nem quem canta pra ninar. Quando o chuvisco é frio por causa do céu cinza, fica tudo sério querendo te arranhar, e se você tem que ser adulto nos arranha-céus cor-de-concreto, o pensamento anda em degraus retos, não em rampas ou escorregadores ternos. Mas tem um jeito de fazê-lo andar em escada caracol, o que é bem mais divertido do que escadas retas. É só escolher uma capa de chuva. Só que ela não te protege da chuva, mas faz os pingos te atingirem de verdade.
Quando se é adulto em arranha-céus-cinzas, se esquece que a chuva não é de arranhar; se aprende errado que o ruim é ficar molhado, só porque depois tem remédio pra comprar. Tão engraçado ficar estressado por ter que consumir aquilo que se trabalha pra vender, o que não dá e deixar de se molhar por medos alojados fora de lugar. A menina de tranças meio-feitas-mais-desfeitas bem sabe, é ela que devia ser ouvida, fez a manhã toda de meia-hora numa poça de chuva, dali tirou rio, homem, avião, até calculadora. Depois reclamam da falta de combustível, digo combustível vital, esse não falta, nem em quadriculados de concreto arisco, tá no pé na poça de chuva, no olhar no céu, no sorriso de vento de ternura – aquele que sopra no quintal dos avós.
Pois então, aquela capa de que eu falei, ela deixa sentir tudo sem vão, deixa nascer coisas grandes de simples tranqueiras. É o combustível que a menina das tranças tira da água com terra pra fazer brincadeira, traquinagem, lição de casa e poesia pra mãe. Depois que fiquei mais adulta, o caminho que tenho que percorrer todo o dia não passa mais pelas ruas que têm poças e os pingos da chuva pareciam mais feios. Tinha deixado minha capa em algum lugar que nem São Longuinho parecia conhecer.
Um dia percebi que o sol girava que nem gira-gira e espalhava folhas douradas pela cidade toda – aquela cidade que já não tinha mais poças nas ruas, ou estavam em ruas escondidas. No dia seguinte, o vento do chuvisco bateu macio nas minhas bochechas quando abri a janela de manhã, já atrasada. Até o atraso era relaxado, abria caminho como água no vidro e chegava afundando na almofada depois do tobogã. Alguém perguntou se eu tinha roupa nova, se tinha cortado o cabelo, se tinha ganhado flor, e respondi com um riso distraído de nuvem ensolarada.
Só depois parei pra reparar: a capa, ela tinha voltado! Não só tinha voltado como era nova, era mais complexa. Tinha cabelos castanhos, voz grave, olhar profundo e um nome. Não sei bem dizer porque é esta a capa, mas não dá pra se dizer mal, de jeito nenhum. Sei que fiz ela me acompanhar por todo canto desde então. Então pararam pra elogiar a luz dos meus cabelos, quando percebi, depois de uns dois minutos, que ele já tinha chegado, já estava do meu lado e fazia-me sorrisos que os outros, então, entendiam.


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Um comentário:

Cristiane Sinatura disse...

so beautiful.

ah, Bru, vc não sabe como me orgulha ter vc como minha Derêtcha!