domingo, 13 de abril de 2008

A pesada leveza do não ser


Que só pesa porque somos e não podemos tê-la.

E o ventou levou: memórias como um bumerangue, mas trouxe de volta diferente, vem com a gente:

Por que deveríamos lembrar de certas datas ‘mais importantes’? Por exemplo, por que eu deveria lembrar da primeira vez em que o vi? Instante banal na profundeza do tempo. Pode ser que não fosse banal, mas não lembro - minha memória deve ter achado desimportante, ou só esquecido mesmo. Em vez, disso, lembro de quando o vi uns cinco anos depois daquela vez primeira. E foi uma visão certeira:

Ele estava da mesma altura, mesmo corte de cabelo, mas mais barbudo. Os olhos atrás dos óculos que antes eram só pra leitura. Pastas nas mãos mais maduras, que não carregavam trabalhos de escola como antes, mas pepinos de trabalho e idéias futuras. Só que a água dos cabelos molhados de chuva salpicava uma aura de descontração juvenil que era a graça sempre dele. Do que eu sempre gostei, que me ataca, de vez em sempre quando lembro de alguns momentos, às vezes. Então, naquela exata não sei qual vez que o vi, tive certeza de que era amor à primeira vista. Só podia ser e só podia ter sido.

Mas já que tudo é questão de duração, senti que dali a uns sete minutos, não seria mais. Que importava? Que importa? Talvez nem fosse ou tivesse sido. O fato é que só podia ser assim – amor desde a primeira vista - naquele momento, porque tinham ocorrido outras ‘vistas’, pra eu comparar com aquela. E dessa miscelânea inconseqüente, saltou uma recordação latente:

Um episódio qualquer em que tivemos aquela coisa doida de amar pura e adolescentemente. É que eu não preciso lembrar do nosso relacionamento todo de meses a fio pra lembrar de nossa história, posso resumi-la naquele capítulo e pronto. É quase como se criasse várias vidas dentro da minha vida. Naquela, foi assim, foi intenso e era só, só com aquele momento que nos preocupávamos naquela hora. Era aquele o assunto e ponto, uma cena bem-resolvida. Era uma realização. Naquele assunto amoroso-sexual-vivo apenas, mas totalmente. Os outros assuntos não existiam, trabalho, amigos, objetivos, fome, sede, calor, aquecimento global... nada mais tinha a ver conosco ali, só ali. Foi. E não perde a validade hoje nem depois de amanhã.

Claro que não posso resumir uma vida em uma realização, que nada mais é que um momento escolhido como tal. Então, o problema da vida parece mesmo ser duração; mas não ela sozinha, há também outro: multiplicidade. Organizemos essa desordem abstrata: dizia eu que a vida tem vários assuntos, pois bem, geralmente, quando nos realizamos ‘totalmente’ em um tema, há a supressão dos outros, uma separação momentânea que cria um momento infinito. Só que não dá pra escolher simplesmente um único tema, a vida nos joga eles múltiplos e nos preocupamos ora com um, ora com outro.

Então, ora eu diria que a felicidade da minha vida poderia ser resumida naquela realização amorosa, ora, felicidade seria uma roda de samba, outro dia, a conclusão de um trabalho, noutro a própria realização de uma atividade no dia-a-dia. Pode ser ainda abrir a janela e sentir o sol da manhã, saborear a comida das avós, tagarelar com os amigos por horas, dizer o que se pensa sem medo, lutar por uma causa, querer só ficar deitado na rede, pular de um morro pro outro, sentir o vento da chuva e o cheiro da grama. Viver é isso. E ‘isso’ é felicitar, ser feliz, felicidade, felizmente, com a participação de tristezas, incertezas, melancolias e alegrias.

Portanto, ciclicamente, chegamos à conclusão de que duração e multiplicidade não são apenas problemas da vida, são como sua condição. Já dizia o óvulo, que sem outro diferente, o espermatozóide, não se multiplicaria pra durar um tempo e ter momentos eternos.

Num momento, a gente pode ser leve, quase como se não fosse. E juntando esses momentos, que também são memórias, que não são mais, são não-seres, é que a gente é, pra sempre – e, ao mesmo tempo, multiplamente, não somos.

2 comentários:

Anônimo disse...

"quando nos realizamos ‘totalmente’ em um tema, há a supressão dos outros, uma separação momentânea que cria um momento infinito" - Wow, algum dia eu ainda vou citar você por causa desse trecho.

Eu diria que é difícil achar um 'total' realizado. Uma mania má dos seus "seres que são" é a perpétua sensação de que o seu tema corrente é incansável , o que leva uns a uma busca eterna e outros a um contante "jump" entre temas. De forma que o segredo está estar contente com os interstícios e não nos picos.

Unknown disse...

legal, por enquanto =)