quinta-feira, 29 de maio de 2008

gente

- Sabe de qual gosto eu mais gosto?
- Gosto de mel!
- Não, muito doce...
- Gosto de sal!
- Muito seco...
- Chocolate!
- Enjoativo...
- Chiclete?
- Artificial...
- De quê então?
- Gosto de gente!
- Você é canibal?
- Não, é que gente tem gosto de gostar.
- Como assim?
- Você gosta de alguém?
- Ah, gosto de você...
- Então, que gosto que eu tenho?
- Não sei, nunca te coloquei na boca.
- Mas você não usou a palavra gosto?
- Gosto não, gosto.
- Menino, quanto calça o pé da letra?
- Mas letra não tem pé. Isso não faz sentido.
- E a vida, faz?
- Ainda não descobriram o sentido da vida.
- Você gostaria de procurar?
- Mas que gosto será que tem?
- Sabia que um dia você ia me entender!
- Eu não entendi, só peguei gosto!

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Lembrete.

Ainda escrevo um livro sobre as conversas dos outros que ouço por aí, sem contextos e sem identificações. Só causos fluindo nas ondas sonoras e esbarrando em ouvidos aleatórios. Uns pinicam, outros fazem cócegas. Há ainda aqueles que germinam romances inteiros nas cabeças atingidas de raspão. A verdade é que a maioria das pessoas faz brotar verdadeiros contos de pequenos pontos, como marias-sem-vergonha no campo.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

A cidade

É uma colina, a cidade, nunca antes tinha reparado, mas lá de cima dava pra ver. Só se percebe que se está em cima quando se olha pra baixo. Um morro sem vegetação, tão cheio de construções complexas, e tão vazio, quase deserto. Só se enche quando a vista molhada de emocional aconchego turva as luzes dos prédios, desfaz janelinhas e as mistura em pinceladas de tinta a óleo. Daria até pra escorregar do morro, sem nem precisar de papelão como na grama do sítio. O rio da Paulista abastece a superfície da cidade fértil, como horta em jardins caseiros.

Tem até vento de paisagem – paisagem de fotografia, não de pintura. Ventania de dias, de horas, não de estações de colheita. Tempismos de cidade, que mudam com as batidas dos corações dos transeuntes, mesmo sem trânsito, que estremecem o chão até quando debaixo, no metrô.

A metrópole é abastecida de lava de gente, suor, energia, saliva: tudo transborda e se absorve, nunca se tem certeza completa. Se um espirro virou prédio, farolete ou lágrima na próxima estação; ou se fez cócegas nos vidros eriçados de ar condicionado a abrirem em sorrisos de floreiras improvisadas.

Edifícios metamórficos subidos de estruturas ígneas de leva quente, canalizada até chegar nas torneiras tagarelas. Tudo fala, palavras que salpicam e empesteiam tudo com o vento desavisado de convite pra entrar. Encobre tudo, depois voa, aos poucos, alguns ficam, sedimentos. Mas cidade que não vira petróleo, não dá tempo, consome-se antes, ela mesma.

Queria ser total-flex, mas é um pouco conservadora nas calçadas, bueiros e recuos. Já foi rasgada, laceada, aceita a diferença, mas nem todas as ruas são rios, ainda há vielas estreitas, quadradinhas, difíceis de se passar – é tudo pra formar padrão de estampa, desenho, charme, identidade.

É como um tecido, dobrável, voável, enrugável, mutável. Mas de estampa, definida. É certo nas suas descertezas corriqueiras, faceiras como o véu da moça despontando no corredor, pra depois sumir na neblina da alma da urbe, esvoaçada.

As almas que vivem aqui são todas líricas, pra poder esgueirar-se pelas retidões cubiculares do concreto, volatescentes, voláteis, fosforescentes, caleidoscópicas.

Imagine que há até lugar pra amor, e pra desespero, que fica preso no vácuo dos ralos estúpidos, é desespero de ver-se sem ar citadino, que já tem o ritmo dos pulmões sem nem precisar estar atento a ele.

É numa loteria que os amigos se espalham pelos bairros como ping-pong. Longe é preguiça de coração, quando cabeça está nuvem de fumaça, turbilhão, confunde sensos.

Não existe lugar pra “para”, só nas placas de “Pare”; de resto, transmutam-se em ‘pras’, preás andantes de bocas em rimas pra cima e pra baixo, pelos ouvidos da cidade, sem parar.

A lua desponta pra lembrar onde é o topo da colina, pra pensamentos flutuarem até pingar no teto-força, que força reunir tudo sem se esforçar. E não é hábito de aglomerar, é cabeça detalhe em multidão, exceções ambulantes.

Só aqui fôlego nasce do fogo, sol se põe de manhã, chuva molha pra cima, noite propaga-se do meio-dia. É gente, é tempo sem espaço, espaço destempado. Compasso de tudo um pouco sem ficar com ritmo de nada. É que se ganha nos degraus de dias latentes de cada mastigada de vigor corrente nas veias de lá – que, incrivelmente, é aqui também.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

salpicoS'

Me distraio com gostos
Durante o tédio
Sempre um chiclete na boca

Não sou focada
Os focos dispersam as pessoas
Nós somos informes
Somos os embaçados
Num mundo de múltiplos enfoques

Quanto mais se foca, mais se dispersa
Se distrai, se diverte
Eu me divirto, entre outros detalhes,
Com gostos

O mundo é muito saboroso pra passar sem sal nem açúcar
Por isso, as pimentas!

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Síndrome do tédio frenético

Mais uma anomalia moderna. Atenção, pesquisadores de curiosidades (ir)relevantes de plantão! Hey, vendedores de tratamentos cura-tudo! Eu sou anormal, venham me entrevistar, achem um antídoto, façam um levantamento de pessoas com a mesma síndrome em relação ao total da população psiquicamente saudável de Plutão! O mundo não pode ficar por fora, é preciso informar o povo, é preciso escrever livros de auto-ajuda (quem sabe, até criar um Centro de Tediosos Frenéticos Anônimos ou chamar o Mc Marcinho, a Amy Winehouse e os ressuscitados Backstreet Boys pra gravar uma música composta pelo Tiririca cuja venda do single será revertida em prol do crescente número de acometidos pela anomalia... Ah, sim e, cuidado, você pode ser o próximo, não esqueça de virar os vasos da sua casa de ponta cabeça para que não se acumule água)!

Sindromis tediosus-freneticusis sapiens-não-sapiens: Distúrbio crônico do lóbulo de entretenimento cerebral que pode causar o inchamento do departamento de elaboração de abobrinhas mentais do córtex frontal.

Sintomas: Sentimento de tédio em 90% das atividades realizadas ao longo dos dias (sejam dias úteis, finais de semana ou feriados), mesmo quando essas atividades excedem a carga horária média para um ser humano moderno normal. Falta de surpresa e empolgação com eventos considerados super-fantásticos. Confusão quanto a planos futuros. Ofuscamento do passado. Excessivo trabalho mental de pensamento megalomaníaco em tudo, todos e todas as possibilidades possíveis e inimagináveis.

Causas: Ainda não se sabe ao certo, mas cobaias apresentaram pró-atividade 85% acima dos níveis normais verificados em formigas saturnianas saudáveis, preocupação 30% maior que a de mães em dias de chuva e vento, inquietude 25% maior que a de homens em shoppings, intensidade emocional 97% mais intensa do que a provocada pela exposição a sete horas seguidas de barracos do programa do Ratinho e novelas mexicanas.

Tratamento: Desaceleração da velocidade da luz, doses de 50 mg de chocolate meio-amargo 12 vezes ao dia, 10 horas semanais de trabalho voluntário, destensionamento do lóbulo de preocupações inúteis por meio de doses de risadas com amigos, amaciamento do córtex ocular de diversão imposta por meio do assopramento de dentes-de-leão de calçadas silvestres, aplicação do método da martelada na cabeça cada vez que o paciente disser “acho que estou ficando neurótico”, escrever textos como este em pleno horário de trabalho, desligar o computador, ligar para um amigo, tomar sorvete com caldas coloridas, dormir no sofá, falar consigo mesmo, olhar as estrelas.

Ao persistirem os sintomas, fale com o seu cachorro, eu falaria.*



*Quem não tem cão, caça com gato, galinha, iguana, borboleta, ácaro, centopéia ou ornitorrinco.**

**O Ministério da Saúde adverte: falar sozinho causa constrangimento hilário; não acredite em tudo o que você lê na internet (leu bem?).